24 de nov. de 2009

A eleição de Dilma e o bicanoísmo do PMDB

congressoemfoco - Rudolfo Lago

“Os peemedebistas bem podem voltar a praticar outra vez seu esporte preferido: o bicanoísmo, que consiste em navegar com um pé em cada canoa”

No fim de semana, ao votar nas eleições do PT, o presidente Lula reclamou do comportamento dos seus aliados. Deixou claro não entender por que eles demonstram tanta dificuldade de se aglutinar logo em torno da candidatura de Dilma Rousseff. E criticou a hipótese de ela, em vários estados, não vir a ser capaz de ter palanques únicos dos aliados em torno da sua candidatura. Lula tem mesmo as suas razões para se queixar. Seu plano de poder é muito bom. E por que ele enfrenta dificuldades? Porque, como diz o outro, a teoria na prática é outra.

Se o plano do presidente Lula para a sua sucessão em 2010 der certo, estaremos destinados a assistir, em cada eleição presidencial daqui para a frente, a um eterno Fla X Flu político. De um lado, para sempre, o já consolidado bloco PSDB/DEM. De outro, o bloco de poder que Lula trabalha para construir, unindo especialmente o PT e o PMDB. Viveremos, na prática, algo parecido com o que acontece nos Estados Unidos: uma disputa entre duas forças bem semelhantes na essência, com diferenças nas suas nuances. A ala tucano/democrata é o nosso Partido Republicano - o DEM, principalmente, cuidando para que seja mais conservadora. E a turma petista/peemedebista virando, então, o nosso Partido Democrata, com o PT garantindo a coloração mais esquerdista. De vez em quando, aparecem lá pelas terras do Tio Sam alguns aventureiros, que às vezes até conseguem algum espaço na mídia, lançando candidaturas para tentar furar o bloqueio da dupla Republicanos e Democratas. Mas sempre viram meros figurantes na disputa. Caso Lula consiga mesmo consolidar o bloco de poder entre o PT e o PMDB, uma vez que PSDB e DEM já estão destinados a andar juntos, vai ser muito difícil alguém de fora dessas duas alas entrar para valer numa refrega presidencial.

A parceria oferecida por Lula une os dois maiores gigantes partidários brasileiros. O PMDB é o maior partido, mas jamais foi capaz de oferecer ao eleitor um nome nacional com força de vencer uma eleição, porque seus interesses políticos são regionais, localizados, sem um comando central forte. O PT, segundo maior partido porque soube crescer formando uma militância engajada em cada estado, mas liderado por um ícone, que manda com pulso firme na direção e garante, assim, a manutenção de um poder central poderoso. Unidos, os dois podem suprir suas deficiências mútuas.

Para quem gosta de poder, é uma proposta tentadora. Em tese, pragmáticos como são, os peemedebistas teriam tudo para ratificar de imediato a proposta na sua convenção nacional, e formar logo os palanques únicos que Lula reclama. O problema é que o jogo político quase sempre não é assim tão linear e cartesiano. Nunca foi apresentada ao PMDB proposta de parceria tão tentadora. E aceitá-la poderá significar para o partido obter um naco do poder federal que nunca teve nos governos em que foi parceiro: como nunca entra na aliança por inteiro, o PMDB, embora poderoso, acaba sempre tendo uma parcela de poder menor que a que poderia ter dado o seu tamanho. Com Dilma, se o plano de Lula der certo, poderá ser diferente: inteiro desde o início, os peemedebistas poderão ser tão fortes no governo quanto foram os pefelistas na gestão Fernando Henrique. Ou até mais.

Mesmo assim, porém, continuam a prevalecer no partido as suas querelas regionais. E elas podem fazer com que os peemedebistas outra vez façam o que sempre fizeram: voltar a praticar seu esporte preferido, o bicanoísmo, que consiste em navegar com um pé em cada canoa. Em alguns estados, continua sendo muito difícil para o PMDB fechar com o PT. E é a avaliação disso que vai nos levar a saber se, desta vez, os peemedebistas aceitarão fechar uma parceria cem por cento ou se vão fazer como sempre: um lado apoia e outro lado torce contra. Se o lado que apoia perder a eleição, o que torce contra adere primeiro ao novo governo, e espera mais tarde pela adesão dos outros. Assim foi com Fernando Henrique, assim foi com Lula. Será diferente com Dilma?

Problemas estão nos estados

O grande trunfo da tese do bloco PT/PMDB é o Rio de Janeiro. Os diretórios que participarão da convenção nacional peemedebista são proporcionais ao tamanho das bancadas de deputado federal. Assim, o maior diretório do PMDB é o Rio. E ali, depois da saída de Anthony Garotinho do partido, os aliados do governo dominam completamente. A Olimpíada de 2016 fecha o apoio do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes. Dilma de carteirinha. Sem erro. Vamos, então, aos problemas.

Ainda que possa sair de São Paulo o vice de Dilma (uma das possibilidades para o cargo é o presidente da Câmara, Michel Temer), a maioria do diretório paulista pertence a Orestes Quércia. E ele fechou com José Serra: será candidato ao Senado na chapa do PSDB.

No Rio Grande do Sul, o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, e o ex-governador Germano Rigotto animam-se com o filão de poder que o bloco em favor de Dilma representa. Mas o PMDB é inimigo histórico do PT no estado, e o grupo de Eliseu Padilha, pró-PSDB, ainda é forte. O Rio Grande do Sul acaba contaminando o comportamento de um outro diretório peemedebista que é muito grande: Santa Catarina. O Paraná é sempre imprevisível; afinal, seu líder é Roberto Requião.

Na Bahia, está sacramentada a briga entre o governador petista Jaques Wagner e o ministro do Desenvolvimento Regional, Geddel Vieira Lima. Os dois não estarão juntos de jeito nenhum.

Finalmente, há Pernambuco, com a força que ali tem Jarbas Vasconcelos. Oposicionista ferrenho, mais simpático ao PSDB do que deve ser ao Náutico ou ao Sport Recife.

Em outros momentos, a força desses caciques regionais fez com que o PMDB não fechasse grandes compromissos nacionais. Por duas vezes, o partido lançou candidatos a presidente que tiveram atuação pífia, porque boa parte dos militantes nos estados não fazia, de fato, campanha para eles. Na segunda eleição de Fernando Henrique, a divisão foi tanta que o partido nem lançou candidato nem conseguiu apoiar oficialmente ninguém. Contra Lula na primeira eleição, o PMDB oficialmente apoiou Serra, mas boa parte do partido já estava com o presidente metalúrgico desde a primeira hora. Na segunda eleição de Lula, a situação inverteu-se. Como será agora? Só aposte desde já quem gostar muito de arriscar o seu dinheiro.


*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão

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