Estadão
Abatido no escândalo do mensalão, Dirceu é hoje homem dos bastidores para articulações nos Estados
Saudado nas rodas políticas de Brasília como "ministro", o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu de Oliveira e Silva, trabalha nos bastidores para engordar a bancada do PT no Senado, acabar com a instabilidade na Casa e não ficar refém do PMDB. Depois da crise que quase derrubou o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e pôs petistas em rota de colisão com o Palácio do Planalto, Dirceu redobrou as articulações para emplacar um time da confiança do governo nos Estados.
A estratégia tem como alvo a eleição da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. Prestes a reconquistar assento no Diretório Nacional do PT - partido que presidiu durante oito anos com mão-de-ferro -, Dirceu já é um dos coordenadores da campanha de Dilma, embora não possa assumir publicamente esse papel.
Aos 63 anos, impedido de disputar eleições até 2014, após ter o mandato de deputado cassado no rastro do escândalo do mensalão, o ex-ministro se movimenta longe das câmeras. Foi acusado pela Procuradoria-Geral da República, em março de 2006, de chefiar "sofisticada organização criminosa" no coração do governo para negociar apoio político e hoje aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Perdeu o poder, mas não a batuta.
Seus desafetos dizem que está em curso a montagem da "bancada do Dirceu", para garantir a ele mais influência no Planalto, caso Dilma seja eleita. O homem que já foi o segundo mais poderoso da República confirma a preocupação em fortalecer o PT no Senado, mas nega segundas intenções.
"Eu não preciso ter retaguarda no governo. Tenho apoio declarado do presidente Lula e da ministra Dilma", diz. Com cenho franzido, olhando por cima dos óculos, emenda: "Este é o meu governo."
CAIM ABSOLVIDO
O comando da campanha prevê aumentar a bancada do PT no Senado - que perdeu Marina Silva, hoje postulante do PV à Presidência - de 11 para 16 cadeiras e, na Câmara, de 77 para pouco mais de cem deputados. Estão na lista dos pré-candidatos ao Senado os deputados petistas Paulo Rocha (PA) - também réu no processo do mensalão -, Carlos Abicalil (MT) e Cláudio Vignatti (SC), além do ministro da Previdência, José Pimentel. Tudo depende, porém, das negociações com o PMDB.
O prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR), Zeca Dirceu, filho do ex-ministro, é candidato a deputado federal pelo PT. "Ele tem liderança própria", alega o pai. Seu livro de cabeceira, hoje, é Caim, o polêmico romance do português José Saramago, que redime o protagonista do assassinato de Abel e aponta Deus como "autor intelectual do crime".
Oito quilos mais magro, com uma vasta cabeleira ajeitada para trás após um implante capilar bem-sucedido, Dirceu percorreu, desde o início do ano, 24 Estados, além do Distrito Federal. Só não foi a Roraima e ao Acre. Desembarcou em Brasília várias vezes, no auge da crise no Senado, para acalmar um atormentado Sarney - acuado por denúncias envolvendo nomeação de parentes por atos secretos - e enquadrar parlamentares do PT. Há uma semana, convidou amigos para almoço de fim de ano na capital da República. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, estava lá.
Na maratona de excursões domésticas, o ex-chefe da Casa Civil faz de tudo um pouco. Almoça com prefeitos, janta com governadores e toma café com deputados ou vereadores. De quebra, aparta brigas na seara do PT, acerta palanques e dá palestras em sindicatos, universidades e movimentos sociais sobre rumos do Brasil, banda larga, pré-sal e outros projetos do governo.
A agenda de Dirceu é hoje tão ou mais carregada do que quando ele comandava a Casa Civil. Detalhe: sua rotina também inclui viagens pelo exterior em missões secretas. Há três meses, por exemplo, esteve na Venezuela e jura que só foi a Caracas gravar depoimento para a socióloga Marta Harnecker, que escreve um livro sobre a história do PT. Para ele, porém, o Senado faz "marola" ao não aprovar a entrada da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul.
Formado em Direito, Dirceu diz atuar hoje menos em consultoria e mais em advocacia empresarial. "Só não advogo contra o Estado", garante. Apesar dos fortes rumores, desmente que seja consultor do empresário Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, ou que trabalhe na América Latina para o magnata mexicano Carlos Slim, dono da Embratel e da Claro. "Tenho relação de amizade com eles, só isso. Eu os visito e sou por eles visitado", encerra.
SEGURANÇA E GRAMPOS
Guerrilheiro que viveu exilado em Cuba nos anos 70 e recorreu a uma plástica para mudar as feições - antes de retornar ao Brasil, clandestino, na pele do comerciante Carlos Henrique Gouveia de Melo -, Dirceu é obcecado com segurança e grampos telefônicos. Antes de receber políticos que o procuram no elegante escritório da Avenida República do Líbano, em São Paulo, um assessor dele entra na sala e pede para o visitante deixar o celular do lado de fora.
Há cerca de duas semanas, Dirceu conversou com o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). "Ele está preocupado com a aliança e os palanques conjuntos com o PMDB", contou Renan. Se já voltou para o mundo das articulações políticas? "Claro, é uma liderança natural", constata o senador. "E algum dia ele saiu?", pergunta o deputado Celso Russomanno (PP-SP). "A política está para ele como o oxigênio para a vida", completa o deputado e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP).
Em Alagoas, Dirceu teve encontro reservado com o governador Teotônio Vilela, do PSDB. No dia 12 de novembro, avistou o governador de Minas, Aécio Neves, no aeroporto de Brasília, e não economizou elogios. "Você um dia vai ser presidente!", disse ele ao tucano. Mineiro de Passa Quatro, Dirceu gosta de Aécio, mas vive dando alfinetadas no governador de São Paulo, José Serra (PSDB), hoje o principal adversário de Dilma na corrida ao Planalto.
Na quarta-feira, após assistir a um telejornal que mostrava a calamidade pública na capital paulista depois das chuvas, não escondeu a irritação. "Tem enchente em São Paulo, queda de vigas em viaduto do Rodoanel e parece que ninguém tem responsabilidade. Não existe Serra, não existe Kassab", protestou ele, numa referência ao prefeito Gilberto Kassab (DEM). "Ah, se fosse o governo da Marta Suplicy, imagine o que não iam dizer", suspirou, reclamando da cobertura da imprensa.
BLOG E LIVRO
A mídia, aliás, é um dos alvos preferidos do "Blog do Zé", tribuna virtual do ex-ministro que vai virar livro. Dirceu está reunindo posts, entrevistas e temas "estratégicos" para a campanha de 2010, como desenvolvimento, meio ambiente, segurança pública e reforma política, para pôr o blog nas prateleiras no início do ano eleitoral. "Não tenho a tribuna da Câmara, mas tenho o blog", argumenta.
É nesse "espaço para discussão do Brasil" que ele dá orientações ao PT, esbraveja contra rebeldes que pregam chapa própria em Estados como o Rio, atrapalhando a aliança com o PMDB, e defende o apoio petista à eventual candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) em São Paulo. Ciro é outro interlocutor que Dirceu tenta aproximar do PT, para evitar que ele atravesse o caminho de Dilma.
Na noite de terça-feira, durante a festa que abriu a temporada de comemorações dos 30 anos do PT, o ex-ministro mostrava inconformismo com o fato de o "mensalão do DEM", protagonizado pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, não ser tratado também como um escândalo do PSDB de Serra.
Queixas à parte, ele saiu feliz de Brasília após posar para fotos com militantes, ganhar um caleidoscópio para "ver estrelas" e receber um apertado abraço de Dilma. "Ser líder no PT tem risco, sim. Muitas vezes, até de perseguição", afirmou a sucessora de Dirceu na Casa Civil. A companheira "de lutas e de armas", como o então ministro se referiu a ela na transmissão do cargo, em 2005, é hoje o seu maior salvo-conduto para a reabilitação política.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091213/not_imp481120,0.php
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