29 de nov. de 2009

''Em toda eleição há risco de caixa 2''

Com a missão de comandar o PT na campanha de Dilma, Dutra diz que atual modelo induz a práticas ilegais

Estadão - Vera Rosa

O novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, admite que há risco de caixa 2 nas eleições de 2010, em todos os partidos. Sob a alegação de que o modelo de financiamento eleitoral no Brasil está "absolutamente esgotado", ele afirma que o atual sistema é "indutor" de ações irregulares e ilegais.

"Em toda eleição há risco de você ter desvios, caixa 2. É inerente ao modelo", constata Dutra, que vai coordenar a campanha presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Para ele, que é ex-senador, a única saída é o financiamento público de campanha. "Fora disso, a gente vai continuar nessa relação hipócrita", emenda, ao pregar que candidatos à Câmara e ao Senado adotem a reforma política como bandeira.

Ex-presidente da BR Distribuidora e da Petrobrás, Dutra foi eleito para comandar o PT pela chapa da corrente Construindo um Novo Brasil, que abriga nomes envolvidos no escândalo do mensalão. Ele defendeu a volta do ex-ministro José Dirceu à cúpula do PT, disse que o partido aprendeu com erros, mas negou que o mensalão tenha sido uma prática para comprar apoio ao governo no Congresso, circunscrevendo a crise ao caixa 2.

O sr. foi eleito presidente do PT pela corrente Construindo um Novo Brasil , que abriga o ex-ministro José Dirceu e outros citados no escândalo do mensalão. A leitura não é a de que nada mudou no PT?

Os companheiros José Dirceu, José Genoino e João Paulo são importantes no nosso partido e estão no pleno gozo de seus direitos partidários. Não tenho nenhum constrangimento em compor com eles a chapa. O episódio de 2005 trouxe lições para o partido.

Que lições?

A partir dali, nós elaboramos um Código de Ética bastante rigoroso e temos a obrigação de fazer com que não seja simplesmente um papel escrito.

O sr. não teme ficar com a pecha de abrigar mensaleiros?

Eu repudio a adjetivação de mensaleiros para os deputados do PT. A justificativa que eles apresentaram foi relacionada a um outro problema, que é real, mas vai ter de ser resolvido através da reforma política: o financiamento de campanha através de caixa 2.

O sr. já disse que o mensalão foi um erro e não passou de uma grife. Mas agora o presidente Lula afirmou que foi um golpe contra o governo...

O fato da existência de caixa 2 é notório e comprovado, mas a forma com que se tentou conduzir o processo foi uma tentativa de inviabilizar o governo.

Mas não foi só caixa 2. Houve desvio de recursos públicos...

Não ficou comprovada nenhuma ação de governo nesse episódio. Se a lógica era que o mensalão servia para votar a favor do governo, como surgem ali deputados que não votavam, como o então presidente da Câmara, João Paulo, e o líder do próprio governo, Professor Luizinho? Agora, tinha um deputado do PFL, o Roberto Brant, que também recebeu dinheiro do Banco Rural. Por que esse episódio sumiu e não é citado na peça da procuradoria? Porque contribui para desmontar a tese de que o dinheiro era para votar a favor do governo.

O ex-ministro Dirceu faz uma espécie de direção paralela do PT, dando orientações ao partido por meio de seu blog. Não o incomoda o fato de ele voltar ao Diretório do PT?

Muito pelo contrário. Eu defendo que o Zé Dirceu volte ao Diretório Nacional do PT e não acho que ele faça direção paralela. O Zé é militante histórico do partido, um animal político. Faz parte do DNA dele. Políticos de partidos aliados o procuram para conversar porque sabem da sua influência dentro do PT. Isso é inegável.

Depois da crise de 2005, só o tesoureiro Delúbio Soares foi expulso, mas nenhum dirigente do PT foi punido. Por que?

Ele era tesoureiro e implantou práticas ilegais do ponto de vista do financiamento. Expôs o partido, de forma avassaladora, a uma crise de imagem profunda. O PT não entrou no mérito se os acusados eram culpados ou não. O que motivou a expulsão do Delúbio foi o cargo que ele ocupava.

Como evitar que daqui para a frente o PT protagonize novos escândalos, como a crise do mensalão?

O partido, como qualquer outra instituição, precisa desenvolver mecanismos para evitar erros e puni-los. Não é uma justificativa, mas eu insisto num ponto: o modelo de financiamento eleitoral no Brasil está absolutamente esgotado. E é um indutor de ações irregulares ou ilegais.

De caixa 2...

Todo mundo critica o caixa 2. Aí quando saem as prestações de contas da campanha, a primeira coisa que a imprensa faz é entrar no site do Tribunal Superior Eleitoral e ver lá que a empresa tal deu dinheiro para a campanha tal. Aí começam a fazer ilações de que ela financiou o candidato tal para poder se beneficiar em uma votação. Desse jeito, onde vamos chegar?

O que o sr. quer dizer com isso?

A empresa que opta por financiar legalmente é execrada porque financiou o partido A, B ou C ou porque tem contrato com determinado governo. É uma coisa risível porque toda empresa tem algum tipo de relação com algum ente do governo federal. Então, essas empresas não podem doar. Ao mesmo tempo não pode ter o caixa 2. Então, como é que querem que se faça campanha?

Qual é a saída?

A única alternativa é instituir o financiamento público e exclusivo de campanha. Fora disso, a gente vai continuar eternamente nessa relação hipócrita, que leva a uma situação na qual ou você opta pelo caixa 2 ou corre o risco de doar legalmente e virar manchete depois da eleição. Esse é o dilema, hoje, dos empresários brasileiros.

O sr. acha que a eleição de 2010 corre esse risco também?

Olha, como não se mudou o modelo, em toda eleição há risco de você ter desvios, caixa 2. É inerente ao modelo. E isso vale para todos os partidos.

Então por que não se votou a reforma política? O governo tinha maioria para aprová-la no Congresso.

Todos aqueles que estão ali foram eleitos com a atual regra. Então, é natural que pensem: "Se mudar, será que vou me eleger?" Não há nenhuma instituição que se auto-reforme.

Vai ficar tudo como está?

Vou propor a candidatos do PT à Câmara e ao Senado que adotem a bandeira da reforma política, na campanha de 2010. É um mote partidário. Como o Congresso é uma caixa de ressonância da população, a única forma de mudar isso é a pressão de fora para dentro.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091129/not_imp473785,0.php

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