13 de set. de 2010

Marina Silva já não tem a mesma liberdade para se expressar

Depois de militância nas Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica, a candidata verde tornou-se evangélica

Correio Braziliense - Sassine

Publicação: 13/09/2010 08:15
A mais espiritualizada entre os candidatos à Presidência da República, a três semanas das eleições, já não tem a mesma liberdade para se expressar. Precisou “engolir o amor próprio”, como admitiu a interlocutores, aprendeu bem o que é o poder e sabe mensurar a distância entre a utopia e o exercício da função pública.

É mais conservadora, tem um comportamento recatado e tímido, encontra dificuldades para relacionar fé e política. Quem enxerga Marina Silva (PV) assim, mais de dois meses depois do início oficial da campanha presidencial, é o “pai espiritual” da ex-seringueira nas décadas de 1970 e de 1980, o atual arcebispo de Porto Velho (RO), dom Moacyr Grecchi, 74 anos.

A Marina de hoje tem um partido com posições muito liberais e se esforça para encaixar seus posicionamentos morais — é contra o aborto, o casamento gay e as pesquisas com células-tronco — nesse espectro político. Não é o único obstáculo quase intransponível para a candidata evangélica da disputa presidencial, convertida ao protestantismo há 13 anos, décadas depois de se formar politicamente nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da esquerda católica.

Marina desafia o pensamento vigente em sua igreja, a Assembleia de Deus, de que a atividade política é “profana”, “mundana”. E ainda precisa encarar a divisão de votos dos fiéis e dos líderes entre ela, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). As impressões são do atual líder religioso de Marina, pastor Sóstenes Apolos da Silva, 60, presidente da Convenção Evangélica das Assembleias de Deus do Distrito Federal.

O Correio conversou com as duas principais referências espirituais de Marina. A primeira, Moacyr Grecchi, foi bispo de Rio Branco (AC) e o principal expoente da teologia da libertação(1) — corrente da Igreja Católica ligada ao esquerdismo político — na Região Norte. Quando atuou no Acre, Moacyr influenciou a militância política de Marina durante a participação dela nas CEBs. Até hoje, Moacyr e Marina cultivam uma relação de “pai e filha”, como define o arcebispo de Rondônia.

Guinada
Mas foi o pastor Sóstenes Apolos quem ganhou importância na vida religiosa e política de Marina Silva, depois da conversão da senadora ao protestantismo. Marina frequenta a Assembleia de Deus da L2 Sul, em Brasília, comandada por Sóstenes. O pastor reforça o discurso mais conservador da presidenciável e tem a missão de torná-la a candidata oficial da Assembleia de Deus. Sua principal atribuição é levar Marina às convenções da Assembleia de Deus de outros estados e a outras correntes evangélicas. “Marina não é candidata somente dos evangélicos, ela tem um grande apoio fora do meio. Somados esses dois apoios, a candidatura é muito viável”, diz Sóstenes.

Hoje, “é claro” que Marina mudou, segundo dom Moacyr Grecchi. “Ela amadureceu, tem mais bom senso e percebeu que uma coisa é tentar ganhar a eleição, outra coisa é conquistar o poder.” Marina está mais conservadora? “Não há dúvidas de que prevalece o conservadorismo, que salta aos olhos nas (igrejas) pentecostais”, diz o arcebispo de Rondônia.

Quando Marina Silva decidiu se lançar na disputa presidencial, Moacyr Grecchi tentou fazê-la mudar de ideia. Disse que ela não tinha esse perfil. “Seu perfil é a tribuna”, repetia o arcebispo à senadora. Hoje, Moacyr Grecchi acha que a candidatura traz um “aspecto novo”, apesar de o PV ser um “partido europeu, tão abortista quanto o PT”. “Em relação ao caráter, ela nada mudou.”

Para o pastor Sóstenes, Marina não ficou mais conservadora depois da conversão ao protestantismo, nem se coloca como a candidata do conservadorismo na disputa presidencial. “Ela já era uma católica de linha radical.” O líder da Assembleia de Deus em Brasília diz que, na verdade, a senadora tornou-se uma “radical mais consciente”. “Ela lê mais a Bíblia.” As leituras bíblicas são as principais de Marina nos últimos dois anos. Não raramente, ela cita passagens bíblicas em seus discursos de campanha.


1 - Radical
As mudanças ideológicas e de postura de Marina ao longo das últimas três décadas vão bem além da transposição do catolicismo para o protestantismo. Quando estava sob a influência de Moacyr Grecchi e da Teologia da Libertação, Marina `não era muito religiosa; era, sim, uma revolucionária radicalizada, uma marxista clássica`, nas palavras de Clodovis Boff, transcritas no livro Marina, a vida por uma causa, de Marília de Camargo César, uma biografia autorizada lançada em agosto e que vem servindo como instrumento de campanha.

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/09/13/noticia_eleicoes2010,i=212654/MARINA+SILVA+JA+NAO+TEM+A+MESMA+LIBERDADE+PARA+SE+EXPRESSAR.shtml

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