5 de ago. de 2010

Rostos e gestos entregam sentimentos de candidatos na TV

Especialista em leitura de expressão facial, Irene Gentilli analisa desempenho de presidenciáveis em momentos de pressão

Matheus Pichonelli, iG São Paulo


Visto em câmera lenta, o rosto humano é um outdoor formado por 33 músculos que, quando acionados, representam até 155 expressões faciais. Se observado num conjunto de gestos, movimentos, tons de voz e até jeito de respirar, revela mais facetas de um candidato do que gostariam de resumir os slogans e estereótipos comuns em época de eleição.

Com a ajuda da psicóloga Irene Gentilli, mestre em comunicação pela USP e especialista em leitura de expressão facial, o iG analisou o comportamento dos três principais candidatos a presidente em momentos de desconforto, empolgação, segurança, e descontração a que foram submetidos nas últimas semanas.

A pedido da reportagem, a especialista analisou o desempenho de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) em eventos como o lançamento das candidaturas, convenção partidária, sabatina e entrevista à TV. Em comum entre eles, apenas uma certeza: não há discurso ensaiado ou promessa inadiável que sobreviva a um movimento brusco de sobrancelha ou sorriso amarelo. Os futuros desafios para os candidatos são os debates, como o que acontece nesta quinta-feira, na TV Bandeirantes, e a aparição no horário político. Até lá, afirma a especialista, todos precisam saber conduzir melhor o “clima emocional” dos eleitores, com mais coloquialismo.

Confira abaixo os erros, acertos “não identificáveis” a olho nu e os significados de gestos comuns na postura de cada postulante à Presidência:


DESCONFORTO / IRRITAÇÃO


DE NOVO?

Segundo Irene Gentilli, a candidata não contém, em determinados momentos, o cansaço diante de certas questões. A sensação é expressa no “bico” formado por seus lábios e pela sobrancelha franzida quando fala sobre previdência social; na fala, dá a impressão de quem quer bater e não bate e de quem já se cansou de falar sobre o assunto.


NÃO BATAM PALMAS!

Por incrível que pareça, um dos momentos mais comuns de desconforto de Marina durante a campanha é quando a candidata recebe palmas. Durante seus discursos, é comum a candidata pedir a interrupção das homenagens, num sinal, segundo Gentilli, de que a candidata não sabe lidar com certos tipos de manifestações.


HEIN?

Os olhos arregalados, e a aparente surpresa diante da pergunta – que pede para ser repetida – denotam que José Serra, apesar de bem treinado e da ironia sempre usada para minimizar uma questão incômoda, não estava preparado nem seguro para responder sobre o assunto.


COCEIRAS...

Apesar de evitar críticas diretas ao presidente Lula, Serra expressa raiva em relação ao atual governo quando aperta a boca e fala de supostos erros dos petista. O olhar fulminante é outra “brecha” deixada pelo candidato, que não esconde o desconforto e a todo instante tenta se acomodar na cadeira, num sinal de inquietude. "Trata-se de uma irritação contida”, diz a psicóloga. A revolta, no entanto, é sincera, segundo a psicóloga.

TOCA PRA MIM!

Dedo em riste, punho cerrado, olhar arregalado e boca apertada demonstram que o candidato já não consegue disfarçar o que sente pelos adversários. De acordo com a psicóloga, o dedo indicador pode demonstrar certo autoritarismo de quem parece dizer: “eu sei como fazer”. Gentilli nota que Serra fala muitas vezes para si e usa as mãos espalmadas como prenúncio de um tapa. “É como se dissesse: ‘essa é um assunto que eu domino’”.

COMO ESTOU?

Segundo Gentilli, os pontos de nervosismo de Dilma se sobressaem quando ela olha fixamente para as próprias mãos e sinaliza estar com a boca seca. Nesses momentos, é comum falar com tom de didatismo, como se falasse sempre para o mesmo entrevistador. Na cena, demonstra receio sobre o que diz: a todo instante olha para o lado direito, como se fosse vigiada – entre os presentes na plateia estava o ex-ministro Antonio Palocci.


VOCÊS ME CANSAM!

Embora firme em algumas posições, um traço da personalidade da ex-ministra é que, ao demonstrar segurança, ela tende a desqualificar o interlocutor. Isso fica demonstrando quando ela responde com enfado aos entrevistadores, como quem parece dizer: “É uma obviedade que você não percebe...”

ACELERA, MARINA

A empolgação da candidata ao descrever o projeto dos centros de excelência de educação, uma de suas principais bandeiras na campanha, é exemplificada pela velocidade que impõe à fala, os olhos arregalados, o queixo em inclinação afirmativa e o complemento das mãos como se reforçassem o discurso. A coerência da fala é observada quando fala a palavra “crise” – neste instante, ela baixa a cabeça, em sinal de respeito.


VAI NA FÉ

Marina adota tom ufanista ao se despedir da militância, num momento em que invoca Deus e fala sobre uma possível vitória nas urnas – o que fica demonstrado pelo tom de voz e pelos dedos que apontam para o alto.

AQUELE ABRAÇO!

Segundo Gentilli, em momentos de “empolgação” Serra tem o hábito de olhar para as próprias mãos enquanto fala. Quando é aplaudido, ora aperta a boca, tentando se conter, ora abre os braços, num sinal de entrega à euforia.


EU SOU VOCÊS

Dilma mostra coerência entre gesto e fala por meio dos dedos, ao listar o conjunto de ideias na velocidade de quem se empolga. Só arranca aplausos do público, no entanto, quando fala do orgulho de ser petista e abre os braços para receber as palmas.


REFLEXÃO

Marina parece hesitar ao ser submetida a uma pergunta sobre educação. Segundo Gentilli, porém, o engasgo é sinal de que a candidata está disposta a falar sobre uma “verdade entalada”. Prova disso são a pausa para reflexão, com olhos fechados, coerência entre gesto e fala (ergue a mão ao falar “progressivamente”) e o fato de elevar o queixo toda vez que fala sobre educação, num movimento ascendente. Sobrancelhas e mãos se movimentando de dentro para fora denotam interesse pelo assunto.

PUNHOS CERRADOS

Outro gesto comum à senadora, lembra a psicóloga, é o punho cerrado sobre a mesa, como se imitasse um soco em câmera lenta. Segundo a especialista, não se trata de uma ação tão firme, mas demonstra a potência na fala.


DEIXA COMIGO!

O candidato leva as mãos ao peito toda vez que fala sobre si mesmo, como quem chama a responsabilidade para uma situação. Sinal, explica, de quem tem segurança do que diz. Quando fala sobre corrupção, faz um movimento amplo com os braços, num sinal de quem quer demonstrar a seriedade da situação. O candidato volta a apontar para si mesmo quando fala sobre o Brasil, demonstrando sentimento de paternalismo.

LEMBREM-SE DELE!

Marca de sua campanha até aqui, Dilma tenta absorver o prestígio do presidente Lula durante suas aparições. No lançamento de sua candidatura, ela se emociona ao falar do padrinho político, o que, segundo Gentilli, demonstra um sentimento de lealdade sincera com o presidente quando ouve palavras de apoio.


AMOR VERDADEIRO

Em evento posterior, Dilma é lançada oficialmente como candidata e recebe as bençãos, também oficiais, do padrinho político. Na cena, ela se levanta e, com choro contido, recebe os abraços do ex-patrão - segundo Gentilli, num gesto sincero de apreço.


ZONZA DE CONFORTO

Meio sorriso, movimentos oculares, falas pausadas e inclinação de cabeça em sinal de reflexão. Segundo Gentilli, os gestos demonstram sinceridade e segurança de Dilma quando ela fala, neste exemplo, sobre temas como gastos públicos, numa defesa do governo do qual fez parte.

APENAS O FIM...

Nem só de tensão vivem os candidatos. Num raro momento de descontração, Marina sinaliza estar à vontade quando aborda um tema aparentemente delicado – no caso, sua saída do PT. Gentilli aponta, nesta cena, que Marina está preparada para responder a questão, ao abrir o sorriso e comparar a situação à de alguém que termina o casamento.


INDIO ARGENTINO

Cansado de responder às especulações sobre quem seria o candidato a vice-presidente em sua chapa, Serra, antes do anúncio de Indio da Costa para o posto, resolve quebrar a tensão sobre o tema com uma brincadeira: aproveitando o período de Copa do Mundo, previu que "o vice" seria a Argentina – o que, na avaliação de Gentilli, foi um erro, já que, ao citar uma equipe rival, dá a entender que o vice seria um “inimigo”. A ironia, diz a psicóloga, é um recurso usado por Serra tanto em momentos de raiva como de descontração.

NEGÓCIO DA CHINA

Com as mãos unidas na altura do peito, como numa oração, Serra arranca riso da plateia quando fala sobre o sistema de licitação brasileiro. Para mostrar conhecimento, cita o caso de uma concorrência para distribuição de camisinhas que por pouco não foi vencida por uma empresa chinesa, cujo material era de “péssima qualidade”. “Cheirava a galinha e era cheia de furos”, diz, num riso irônico.


DILMA DA DILMA

Num momento de descontração da entrevista, a candidata é questionada sobre como seria um eventual governo Dilma e sobre quem seria “a Dilma da Dilma”. Ela deixa claro que o debate sobre o assunto é “extemporâneo”, mas dribla a questão com um momento de descontração, com ironia e gargalhada.

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